Esse negócio de palavras terminadas com a desinência ‘ão’ é coisa exclusiva do português. É por isso que os estrangeiros derrapam ao dar de cara com o ‘ão’.

Tisnada pelo inusitado desde o tempo da colonização, a vida pública brasileira está, de novo, rendida à lógica do ‘ão’.

Nunca antes na história da nação uma sucessão fora deflagrada com tanta antecipação.

Proibido pela Constituição de buscar a re-reeleição, Lula viu-se compelido a fabricar uma opção. Recorreu a Dilma, uma novata em eleição.

De saída, o petismo flertou com a divisão. Mas, deserto de lideranças, o partido teve de render-se à vontade do eterno patrão.

Bafejado por uma popularidade que não encontra termo de comparação, Lula levou sua candidata à vitrine com antecedência de mais de um ano da eleição.

Deixou aturdida a oposição. PSDB e DEM foram ao TSE, para pedir punição. Mas a Justiça hesita em impor os rigores da legislação.

De mais a mais, os acusadores recorrem à mesma perversão. Serra, por exemplo, celebra país afora convênios pseudo-administrativos, acordos de ocasião.

Vende-os como meras iniciativas de cooperação. Lorota, embromação. Há um quê de 2010 em toda a movimentação.

Quanto a Lula, conduz Dilma pela mão. Mal consegue disfarçar a campanha, a despeito de recorrer ao vocábulo da negação.

Comício? Não, não e não. Mãe de todas as obras, Dilma tem o direito de fazer inspeção. Não pode se furtar à inauguração.

A caravana ao São Francisco? Um esforço pela transposição. E a presença de Ciro? Ora, ele foi ministro da Integração.

A candidata só desaparece na hora do apagão. Aí, surpresa (!), assombro (!!), estupefação (!!!), a explicação é delegada ao Lobão.

Incomodados com o vaivém, os jornais destilam indignação. Letras vazias. Servem, quando muito, para aumentar a exposição. Mas não levam à punição.

De resto, instados a assumir as próprias candidaturas, os candidatos dizem que ainda não são. Recorrem a sofismas, à tergiversação.

Sob a camada de desconversa, é intensa a articulação. Os não-candidatos dizem coisas definitivas sem definir o que farão se triunfarem na eleição.

Dilma almeja reeditar a coalizão. Serra serve-se de Quércia para enfiar uma cunha no centrão. Nada de idéias, de planos. Ao eleitor, só a desatenção.

Depois de firmar um acordo pré-nupcial, PT e PMDB criaram uma comissão. Tentam eliminar, nos Estados, a divisão. O diabo é que ninguém abre mão do seu quinhão.

Governistas e oposicionistas fazem reunião atrás de reunião. O vazio almoça com o oco, que articula com o ermo, que janta com a indecisão. Um mar de empulhação.

O que se tem? Por ora, apenas uma disputa da promessa de continuação contra a volta a um passado que se apresenta como atualizada reedição.

Um lero-lero sem qualificação, em palco apinhado de prontuários que, sem de voz de prisão, asseguram continuidade à corrupção.

Privado do essencial –plano e definição— o eleitor fica com a incômoda impressão de que não elegerá um novo presidente, mas a melhor encenação.

Como se fosse pouco, há na praça uma nova opção. O ‘PMDBdoB’ lançou candidato próprio à sucessão. Histrião por histrião, por que não o Requião?