Sérgio Lima/Folha
Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil e presidenciável de Lula, falou ao repórter Valdo Cruz. A entrevista escalou a manchete da Folha.
Para início de conversa, o repórter instou Dilma a comentar uma frase atribuída ao grão-tucano FHC.
O antecessor de Lula defendera um Brasil “mais aberto”. Um país que não parecesse tão dependente das vontades de um homem só.
Dilma respondeu com uma pergunta: “A quem ele está se referindo?” E o repórter: “Ao presidente Lula”.
“Se você acha isso, eu não tenho tanta certeza”, Dilma emendou. A ministra entabulou uma defesa do chefe:
“Se tem um presidente democrático, é o presidente Lula. Agora, ele jamais abrirá mão de suas obrigações. Entre as obrigações está mandar algumas coisas...”
“...Por exemplo, fazer o Bolsa Família. Ele mandou que não fizéssemos aventura nenhuma com a taxa de inflação”.
O repórter manteve FHC na roda. Esmiuçou a pergunta. Disse que o comentário do ex-presidente “embute a análise” de que, sob Lula, o governo é intervencionista.
Dilma foi à jugular do tucanato: “Tinha gente torcendo para ficarmos de braços cruzados na crise...”
“...Diziam: ‘o governo Lula sempre deu certo, mas nunca enfrentou uma crise internacional’. Apareceu a maior crise dos últimos tempos, que estamos superando”.
Foi nesse instante que a ministra-candidata teorizou sobre o “Estado mínimo”. Acha que a crise financeira global como que aniquilou a tese:
“Eu acho que quem defendia que o mercado solucionava tudo, o mercado provê, é capaz de legislar e garantir, está contra a corrente e contra a realidade...”
“...O que se viu no mundo nos últimos tempos é que a tese do Estado mínimo é uma tese falida, ninguém aplica, só os tupiniquins...”
“...Nós somos extremamente a favor do Estado que induz o crescimento, o desenvolvimento, que planeja”.
O repórter cuidou de reacomodar FHC no centro da conversa. Perguntou a Dilma se, submetido à mesma crise, o tucanato teria seguido o receituário do governo Lula.
A ministra simulou comedimento: “Eu não gosto de polemizar com um presidente, porque ele tem outro patamar”. Em seguida, entregou-se gostosamente à polêmica:
“Os que apostam e ficam numa discussão, que, além de enfadonha, é estéril, de que há uma oposição entre iniciativa privada e governo, gostam de discussão fundamentalista...”
“...É primário ficar nessa discussão de que o governo, para não ser chamado de intervencionista, seja um governo omisso, de braços cruzados, que não se interessa por resolver as questões da pobreza nem do desenvolvimento econômico”.
Essa interferência mais viçosa não conduz a uma visão estatizante e a um viés eleitoreiro, como apontado pela oposição no caso do pré-sal?
Dilma empilhou as “acusações” feitas pela oposição: “Eleitoreiro, estatizante, intervencionista e nacionalista”.
Disse que enxerga virtude onde os rivais só vêem defeito: “Tem algumas [qualificações] que a gente aceita. Nacionalista a gente aceita...”
“...Esse país não pode ter vergonha mais de ser patriota. Eu não vi um americano ter vergonha de ser patriota, nunca vi um francês. Que história é essa de nacionalista ser xingamento?”
E quanto à pecha de estatizante? “Se é o aumento da capacidade de planejar o país, de ter parcerias com o setor privado, de o Estado ter se tornado o indutor do desenvolvimento, concordo”.
Intervencionista? “Não somos”, respondeu Dilma, secamente. Eleitoreiro? “Não. Sabemos que quem não tem projeto vai achar tudo eleitoreiro”.
Um pedaço da entrevista foi dedicado a um tema inevitável: a eleição de 2010. Vão abaixo algumas das declarações de Dilma:
- Feitos de Lula dignos de ser expostos em palanque: “Eu acho que três, que vamos deixar de legado: crescimento econômico, inflação sob controle e o fato de termos elevado à classe média milhões de brasileiros. Outro dia, o último dado dava quase 25 milhões de pessoas [...].”
- Outros feitos: “[...] Tem o PAC. E tem mais uma coisa, a questão da nossa soberania, o fato de termos sido capazes, mantendo a nossa soberania, de ter uma política externa de diversificação de parceiros. O Brasil acabou com a submissão que tínhamos aos Estados Unidos, à Europa, e passou a ser um ‘player’ internacional. E o presidente fez isso magistralmente [...]. Hoje nós não temos mais aquilo que o Nelson Rodrigues chamava de complexo de vira-latas [...]”.
- E quanto aos erros? “Nós acertamos mais do que erramos. Olha, se aquele assessor do Clinton tinha razão, ‘é a economia, estúpido’, eu acho que o presidente Lula tem um governo que não é só economia. É, como eu disse, o social, o nacional e o internacional. Então, acho que, pelo menos, nós deixamos um grande legado”.
- Suficiente para que Lula eleja o sucessor? “Esperamos que sim, mas, se não for suficiente, é um bom legado”.
- Qual será a mensagem da campanha? “Não tenho a menor ideia, porque não sou marqueteira, não tenho esse talento. Mas no dia que eu tiver clareza disso eu te conto”.
- Simpatia e jogo de cintura: “De preferência, [um candidato deve] ser simpático e ter um de jogo de cintura. [Se não tiver], a pessoa sofre. Eu não sei ainda [se vou sofrer]. Mas a gente sempre sofre, não dá para achar que o mundo é um paraíso, que a gente vive em um mar de rosas”.
- Imaginou um dia que seria candidata? “Se você perguntar para mim se alguma vez imaginei disputar, não. Imaginei não”.
- Sente-se preparada para o desafio? “Eu não sei [...]. Não vou entrar na sua, especulando sobre candidatura [...]. Não, não vou. Não. Agora encerramos essa conversa de candidatura. A gente retomará, oportunamente, se for o caso, em 2010 [...]. Isso é um assunto para ser tratado depois das convenções dos partidos, do PT”.
- O câncer: “Vou fazer [exames] no final da próxima semana. Aí nós vamos fazer de fato o anúncio oficial da minha situação de saúde. Mas eu tenho absoluta certeza de que estou curada".
- A doença a modificou? “Muda, muda. Você dá mais importância a coisas menores. Por exemplo, você dá importância ao sol batendo nas folhas, você olha o mundo com outros olhos [...]. Dá uma imensa importância para a vida e suas manifestações. Árvores, flores, você olha mais, e dá mais importância para o mundo de uma forma mais tranquila, mais calma. Mesmo trabalhando 24 horas por dia. Fica mais forte. [...] Doente velho é um bicho muito esperto. Você fica esperto, fica mais forte”.
- O caso Lina Vieira: “Para mim, esse episódio está encerrado”.
Aos pouquinhos, Dilma vai agregando à sua imagem meio quilo de ideias. Foi levada à vitrine sucessória precocemente. Mas sabe-se pouco acerca do que pensa sobre o país.
É bom que fale. Deveria falar mais. Ajuda o eleitor a se definir. De resto, Dilma socorre a si própria. No momento, patina nas pesquisas.
Adicionando voz à imagem superexposta, pode amealhar intenções de voto. Ou não, diria Caetano Veloso.
Escrito por Josias de Souza às 05h02